Parecer Técnico nº 04/2025


15.04.2025

Assunto: Parecer acerca da atribuição do enfermeiro no processo transexualizador em pessoas transgênero.

  1. O FATO

Em outubro de 2024, foi recebido, via manifestação de ouvidoria, solicitação de parecer técnico sobre a legalidade da atuação do enfermeiro, nos cuidados dos usuários que realizam cirurgias de redesignação sexual/de gênero para pessoas transgênero na afirmação de gênero, as quais resultam em cuidados de enfermagem específicos com o manejo dos tampões cirúrgicos nos genitais, dilatadores genitais, sondagem vesical no contexto da neovagina e/ou neopênis.

  • FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O atendimento às pessoas trans nos serviços de saúde demanda produção de cuidado integral. É necessário que o acesso aos serviços de saúde seja garantido e que a avaliação contemple as diversidades de gênero.1 Nessa direção foi instituído o Processo Transexualizador, que se configura em um programa de saúde composto por um conjunto de estratégias de atenção à saúde no atendimento às necessidades de pessoas transexuais/transgêneros e travestis no Sistema Único de Saúde (SUS).2

O Processo Transexualizador no SUS refere-se ao atendimento integral desde o uso do nome social a uma série de intervenções junto a equipe multiprofissional, que visam a adequação do corpo e da identidade de gênero de uma pessoa ao seu gênero autodeclarado. O acesso a hormonização, até a cirurgia de adequação do corpo biológico.  Este processo é fundamental para muitas pessoas trans que buscam alinhar sua aparência física com sua identidade de gênero, promovendo o bem-estar psicológico e social.1

No Brasil, o Processo Transexualizador no âmbito do SUS (PTSUS) foi instituído pelo Ministério da Saúde em 2008, por meio das Portarias nº1.707 e nº 457 e atualizada com a Portaria n° 2.803 de 2013 (ainda vigente).2 A partir disso, os procedimentos considerados transgenitalizadores puderam ser incluídos na tabela de procedimentos do SUS. Nesse momento, eram compreendidas como usuárias e direcionadas às demandas para o PTSUS, apenas mulheres trans.3

Inicialmente, só contemplava a assistência às mulheres trans, tendo sido ampliado e redefinido em 2013, passando a incluir os homens trans e travestis, com oferecimento da hormonização cruzada e cirurgias como mamoplastia masculinizadora, histerectomia e ooforectomia. O programa tem sido fundamental no itinerário terapêutico dessa população, mas também revela que suas necessidades de saúde vêm sendo reduzidas ao desejo de adequação corporal, desconsiderando o princípio da integralidade que deveria nortear os cuidados de saúde. Além disso, o ingresso no programa e a possibilidade de transição assistida por uma equipe de saúde é viabilizada pelo diagnóstico e pela patologização dessas experiências.4

Considerando o Art. 5º da Portaria nº2.803/2013, onde estabelece diretrizes importantes para assegurar a integralidade do cuidado aos usuários e usuárias que buscam realizar ações no PTSUS, a Portaria define duas modalidades principais de atendimento: a Modalidade Ambulatorial e a Modalidade Hospitalar. Na Modalidade Ambulatorial, são oferecidas ações de acompanhamento clínico, hormonioterapia e suporte pré e pós-operatório. Essas atividades são realizadas em estabelecimentos de saúde que estão devidamente cadastrados no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES) e que atendem aos critérios técnicos e estruturais necessários, conforme especificado no anexo I da Portaria.2

Por outro lado, a Modalidade Hospitalar abrange a realização de cirurgias e o acompanhamento pré e pós-operatório, também em estabelecimentos cadastrados no SCNES que possuam as condições adequadas para garantir um atendimento de qualidade. Essas definições são fundamentais para garantir que os usuários e usuárias recebam um atendimento especializado e seguro, respeitando suas necessidades e promovendo a integralidade do cuidado no Processo Transexualizador. A estruturação clara dessas modalidades contribui para a organização dos serviços de saúde e para a melhoria da assistência prestada a essa população.2

Para que haja habilitação por parte das unidades/instituições de saúde quanto ao PTSUS é necessário que o estabelecimento possua uma equipe multiprofissional mínima, a qual deve incluir a presença mínima da (o) profissional Enfermeira (o). Além disso, a Portaria prevê que a equipe de enfermagem seja composta por enfermeiras(os) e técnicas(os) com formação reconhecida pelo órgão de classe, a ser dimensionada conforme as regulamentações expedidas pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).2

Em 2024, através da publicação da Portaria  nº 1.693 foi alterada a Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS.5 A mudança promoveu a ampliação do acesso aos procedimentos disponíveis no sistema de saúde (ex:  ginecologia, obstetrícia, urologia e proctologia)  no contexto do SUS, direcionado à pessoas de ambos os sexos com o intuito de fortalecer o reconhecimento e respeito às identidades de gênero autodeterminadas, independente da informação sobre sexo constante nos assentos do registro civil.6 Essa mudança implica em ampliação do escopo de prática profissional da (o) profissional enfermeira (o) do que diz respeito ao cuidado de enfermagem à população transgênero.
Outro ponto estabelecido pela Portaria foi favorecer o direito à saúde de pessoas transexuais e travestis no Brasil com vistas a superar o binarismo homem e mulher, além de conceitos estritamente cisnormativos  impeditivos ao acesso e ao cuidado integral.7

No Estado da Bahia o Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia (Hupes-UFBA) é a referência para  procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero e realizou a primeira cirurgia de redesignação sexual, cuja habilitação está configurada em: “Unidades de Saúde Habilitadas na Alta e Média Complexidade em Processo Transexualizador – Ambulatorial”, onde se pode consultar publicamente através do site: https://www.gov.br/pt-br/servicos/habilitar-se-para-realizar-processo-transexualizador, do Ministério da Saúde.8

 O Hupes também é o hospital de referência para a realização de mamoplastia masculinizadora, histerectomia, tireoplastia e plástica mamária, em pactuação com a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB).9 O hospital dispõe de  um ambulatório trans, vinculado ao Ambulatório Magalhães Neto, o cuidado ofertado dispõem de equipe multiprofissional com enfermeiras e técnicas, equipe médica  (endocrinologia, psiquiatria), psicologia e o serviço social para atendimento e com capacitação regular para assistencias aos procedimentos cirúrgicos e às demandas de pessoas transsexuais.

Compõe a Rede de Atenção à Saúde (RAS), além do Hupes, o Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (CEDAP), habilitado pelo Ministério da Saúde (04/2024) enquanto unidade de Atenção Especializada no Processo Transexualizador, mesmo não realizando os procedimentos cirúrgicos.10 O Processo Transexualizador requer atenção integral à pessoas trans. A RAS integrada permite o acesso e a integralidade da atenção não só no nível terciário, mas em todos os pontos de atenção, permeando as equipes de enfermagem ambulatorial, do centro cirúrgico, das unidades de internação (enfermarias clínicas e cirúrgicas e/ou especializadas), bem como das Unidades de Saúde da Família e das Unidades Básicas de Saúde, Unidades de Pronto Atendimento (UPA 24 horas), centros de reabilitação, consultórios de rua, sistemas de apoio logísticos e outros que possam ser demandados pelo público transgênero.10

Com relação aos cuidados essenciais de enfermagem direcionados à transexuais/transgêneros e travesti, destacam-se a promoção da saúde, a prevenção de doenças e a assistência durante o processo de transição, que pode envolver intervenções hormonais e cirúrgicas. Além disso, é necessário que as os enfermeiros desenvolvam habilidades de comunicação empática e respeitosa, criando um ambiente seguro para que as pessoas trans se sintam à vontade para discutir suas dúvidas, inquietudes e necessidades.2 

De acordo com a literatura científica, “a assistência de enfermagem deve ser pautada no respeito à identidade de gênero, a promoção da saúde integral, considerando as particularidades de cada indivíduo”.11 Destarte, minimizando as repercussões das trajetórias de pessoas transgênero no Processo Transexualizador em relação à condição de saúde mental, a exemplo da autorepressão, desconforto antes do início das modificações corporais e a falta de apoio da rede social, como evidenciado em estudo com a população de homens transgênero.12

Isso implica em um cuidado que deve ultrapassar aspectos físicos, mas também contemplar as questões emocionais, sociais, econômicas e direcionar as necessidades básicas e os determinantes sociais de saúde, além das linhas de cuidado na RAS para a garantia da integralidade da atenção. É essencial que os profissionais de enfermagem busquem formação contínua e se atualizem sobre as melhores práticas para atender essa população, visando o cuidado respeitoso, a diversidade e a inclusão.11

Destaca-se dentre as atribuições profissionais do Enfermeiro no Processo Transexualizador, o “acolhimento e primeira consulta”, que demandam o entendimento à pessoa, evitando pressupor que o único desejo é a hormonização ou então que suas preocupações se restrinjam às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s).13 Nessa direção, a atuação da(o) enfermeira(o) deverá estar alinhada aos componentes que estruturam a linha de cuidado da atenção às/aos usuárias (os) com demanda para o PTSUS, a atenção básica: coordenação do cuidado, atenção contínua da população, porta de entrada prioritária do usuário na rede e  atenção especializada: conjunto de diversos pontos de atenção com diferentes densidades tecnológicas, realização de ações/serviços de urgência, ambulatorial especializado e hospitalar.2

No que tange ao Processo Transexualizador, constitui-se enquanto atribuição do profissional Enfermeiro durante o “acolhimento”: criação de um ambiente seguro e livre de preconceitos para os usuários; identificação das demandas iniciais de saúde física e mental; promoção de práticas inclusivas; ambiente seguro livre de violência de gênero e desrespeito ao nome social, sua orientação sexual e/ou identidade de gênero em todos os registros e atendimentos; realização de escuta qualificada, considerando as especificidades de cada pessoa.6

O profissional Enfermeiro  durante a “Consulta de Enfermagem” para o Processo Transexualizador, deverá contemplar o acolhimento e escuta das demandas de saúde trazidas pelas pessoas, capacidades e déficits de autocuidado com vistas ao cuidado integral.14 Os cuidados devem ser  geral e específico no tocante à vacinação, testes rápidos e/ sorologias convencionais de acordo com desejo e vulnerabilidade à IST/HIV/Aids, rastreamentos, assistência e orientações quanto às transformações corporais seguras em caso de planejamento da pessoa etc.15

Prestar assistência no processo pré e pós operatório, fortalecer e treinar a pessoa para o autocuidado com a neovagina  e/ou neopênis e poder com a articulação e debate de ações que visem aprimorar a assistência de enfermagem com vistas à respeito às singularidades e particularidades.14 Quanto ao levantamento de Diagnósticos de Enfermagem, ressalta-se a inclusão do Diagnóstico             “Disposição para identidade social como pessoa transgênero melhorada”, pela taxonomia NANDA-I, o qual deve ser conhecido e aplicado pela(o) enfermeira(o) em sua prática clínica.16

A atribuição do profissional Enfermeiro na realização de intervenções de enfermagem frente ao Processo Transexualizador no SUS, envolve:  Acolhimento e escuta ativa: proporcionar um ambiente seguro e acolhedor, onde os pacientes se sintam à vontade para expressar suas necessidades e preocupações; realizar a administração de medicamentos hormonais conforme prescrição médica; monitorar sinais vitais e alterações decorrentes do uso de hormônios.  Cabe ao profissional Enfermeiro decidir sobre o local mais apropriado para administração de medicação intramuscular.15,17-18

Acrescenta-se: observar e registrar em prontuário o local de inserção do silicone, a cada seis meses, para avaliar migrações, edemas e lesões que necessitem de intervenção;  Prestar cuidados gerais e atualização do cartão vacinal, incluindo as pessoas adultas não gestantes: dT, Hepatite B, influenza,  Hepatite A, SCR, influenza; Identificar os riscos para sofrimento e adoecimentos mentais que podem ser vivenciados pelas pessoas trans em condição de vulnerabilidade social, encaminhar para outro profissional quando necessário; atuar de modo a garantir integralidade da atenção a transexuais/transgêneros e travestis sem restringir a assistência de enfermagem ao alcance de metas terapêuticas relacionadas as cirurgias de transgenitalização/redesignação e demais intervenções somáticas como previstos em legislação ministerial no Brasil. Assim como: prestar assistência de enfermagem de modo a garantir a aplicação do Processo de Enfermagem direcionado às necessidades de saúde de transexuais/transgêneros e travestis que demandem atenção à saúde no PTSUS a nível ambulatorial e hospitalar; realizar procedimentos e técnicas propedêuticas de Enfermagem à pessoa/paciente no PTSUS; acompanhar a pessoa/paciente nos processos de transição de gênero.15 

Acrescenta-se ainda: Dialogar com as pessoas em transição sobre as transformações e a vivências relacionadas ao corpo, além de trazer informações sobre a efetividade da hormonização que nortearão o plano de cuidado; realizar a  coleta de colpocitologia oncótica a todas as pessoas que possuam colo uterino, de acordo com o protocolo do Ministério da Saúde; abordar histórico de vulnerabilidade e oferecer avaliação dos riscos referente às IST/HIVaids; incluir os testes rápidos ou as sorologias convencionais de HIV, Sífilis, Hepatites B e C. Orientar sobre a Profilaxia Pós-exposição (PEP) ao HIV e a sobre Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) ao HIV; desempenhar o trabalho junto a equipe interdisciplinar e multiprofissional previstas nas regulamentações vigentes no âmbito do processo transexualizador no SUS. Assim como: ampliar o conhecimento técnico-científico a fim de atuar com qualidade e garantia da segurança do paciente, especialmente, na realização de procedimentos da competência profissional enfermeira(o), participação junto à equipe de saúde em atividades intercolaborativas; integrar-se às ações e serviços em atendimento ao Processo Transexualizador, tendo como porta de entrada a Atenção Primária à Saúde, com acolhimento e humanização livre de discriminação e a promoção do respeito às diferenças e à dignidade humana, em todos níveis de atenção à saúde.15

Quanto às ações de Educação em Saúde, cabe ao enfermeiro: fornecer informações sobre o Processo Transexualizador, ajudando os pacientes a entenderem as etapas do tratamento; realizar o acompanhamento do processo de transição, monitorando a saúde do paciente ao longo de todo o processo, incluindo a administração de hormônios e a preparação para possíveis cirurgias. Além disso: realizar orientação educativa quanto à temas relativos à identidade, transição, hormonização, cuidados corporais, fatores geradores de riscos à saúde, cuidados pré e pós-operatórios em casos de cirurgias de redesignação sexual; realizar promoção da saúde sexual e reprodutiva, saúde mental e espiritual; atuar como mediador no trabalho interdisciplinar, colaborando com demais profissionais da equipe de saúde no Processo Transsexualizador, a fim de oferecer cuidado integral; apoiar as pessoas transsexuais/transgêneros e travestis no enfrentamento de desafios psicossociais, como discriminação e o estigma.15,19

No que tange à promoção da saúde e prevenção de doenças: realizar ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, considerando as especificidades da população trans; realizar a conferência dos exames laboratoriais para o encaminhamento ao profissional endocrinologista, com fins no tratamento hormonal, considerando as especificidades: mulheres transgênero (Glicemia – Colesterol total e frações – Na – K – Ureia – Creatinina – CPK – Proteína C ativada e Proteína S – TGO, TGP – Hemograma – LH, FSH – Testosterona (total e livre) – Estradiol – Prolactina – Densitometria óssea Coleta especial: – Coagulograma Exame de Imagem – USG de mama TT acima de 50 anos: – PSA); homens transgênero (Glicemia – Colesterol total e frações – Na – K – Ureia – Creatinina – CPK – Proteína C ativada e Proteína S – TGO, TGP – Hemograma – LH, FSH – Testosterona (total e livre) – Estradiol – Prolactina – Densitometria óssea Coleta especial: – Coagulograma Exame de Imagem – USG de mama – USG pélvico ou transvaginal).15

Quanto à Assistência Perioperatória de Enfermagem: No âmbito hospitalar, assistência no preparo do paciente para procedimentos cirúrgicos, além de cuidados pós-operatórios, como curativos e manejo de complicações. Com relação a cirurgia de redesignação sexual e/ou de afirmação de gênero, compete ao profissional Enfermeiro: prestar assistência de enfermagem perioperatória, considerando os períodos de pré-operatório, tran/intra-operatório, recuperação pós-anestésica, pós-operatório imediato, mediato e tardio; acompanhar os pacientes em todo o processo, desde o acolhimento e primeiras consultas até o pós cirúrgico, nos cuidados e procedimentos com a neovagina (curativos, uso de dilatadores, sondas, drenos, etc) e/ou neopênis.14,20-22

Outrossim, assumir atividades fundamentais de promoção da saúde e educativa, com vista a orientação para os cuidados com a nova genitália, explicando acerca das rotinas de dilatação, uso dos dilatadores, higienização do neocanal, no caso das pessoas com neovagina, bem como nas cirurgias de neopênis constituição e/ou alongamento clitoriano (faloplastia x  metoidioplastia) e das demais cirurgias que estejam previstas na habilitação da unidade/serviço, a exemplo da mamoplastia masculinizadora, plástica mamária, histerectomia, tireoplastia, transição vocal, cirurgias faciais; realizar curativos cirúrgicos, considerando as especificidades e tipos das cirúrgicas, bem como as recomendações da equipe de cirurgia; empregar intervenções de prevenção e controle de infecção do sítio cirúrgico e de outras naturezas. 14,20-22

Com relação à gestão e a administração dos serviços de enfermagem: liderar e supervisionar a equipe de enfermagem (ex: Técnicos de Enfermagem); organizar e dimensionar a força de trabalho dos profissionais de enfermagem que atuem no Processo Transexualizador; elaborar os instrumentos de organização dos serviços e da assistência de enfermagem, a exemplo das escalas de serviço e distribuição de pessoal de enfermagem e demais ações, atividades e intervenções que envolvam o exercício profissional e constitua atividade privativa do profissional Enfermeiro nesse âmbito, respeitando os devidos parâmetros no seu planejamento e execução.18,23-25

Diante do exposto, torna-se imperativo que os profissionais de enfermagem se engajem na criação e desenvolvimento de tecnologias de cuidado que busquem dar conta das demandas na população transgênero, a exemplo dos roteiros e instrumentos para guiar a consulta de enfermagem, considerando aspectos da identificação da pessoa transgênero, dos dados clínicos que deem suporte à tomada de decisão, especialmente, diante da necessidade da realização de procedimentos cirúrgicos, bem como de informações relacionadas à propedêutica da assistência de enfermagem, com especificidades às particularidades da pessoa transgênero.26

            Uma conduta a ser adotada pelo profissional Enfermeiro e por conseguinte a equipe de enfermagem é reconhecer o Processo Transexualizador como dispositivo terapêutico, essencial à vida e saúde das pessoas que demandam por tal conjunto de intervenções não estigmatizantes e não-patologizador e/ou patologizante. Tal pressuposto está sustentado no fato de que pessoas trans, muitas vezes, tem seguindo suas trajetórias e itinerários terapêutico que devem ser seguro, assistido, qualificado e respeitoso, ou aqueles informais, que podem se dá na construção das redes de socialização e pertencimento trans – “cuidados transcentrados” e/ou “entre pares”, outros, entre tantos, mais arriscados e permeados por práticas inseguras e clandestinas, a fim de ir em busca por afirmação das suas identidades de gênero e o atendimento das suas necessidades de saúde.20

Ao considerar que há entraves no acesso ao PTSUS, será importante que o profissional Enfermeira (o) empregue esforços para promover o acolhimento, garantir integralidade da atenção à saúde na rede, buscando por resolutividade e a referência das pessoas transexuais/transgêneros e travestis que demandam por intervenções cirúrgicas ou não e de outras tecnologias de afirmação de gênero no estado da Bahia.  É necessário políticas públicas e documentos e os documentos normativos sejam efetivamente implementados por ações de sensibilização, capacitação e educação para os profissionais de saúde à população LGBTQIAP+.6,27-28

  1. FUNDAMENTAÇÃO ÉTICO-LEGAL E ANÁLISE

Um dos principais documentos que orientam a atuação do profissional Enfermeiro é o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, que enfatiza a importância do respeito à diversidade e à individualidade dos pacientes.18 Além disso, a Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) nº 537/2017, que trata do uso do nome social pelos profissionais de enfermagem travestis e transexuais e dá outras providências, também é uma referência importante.29

            A atribuição do profissional Enfermeiro no PTSUS deve estar respaldada pela Lei de Exercício Profissional, subsidiada pelo Decreto n° 94.406 de 1987, no que tange às atividades privativas.23-24 Além disso, deve respeitar os princípios fundamentais da profissão do campo da Enfermagem, de acordo com o Código de Ética dos Profissionais Enfermagem, o qual considera a Declaração dos Direitos Humanos, como destacado no Art. 1º Exercer a Enfermagem com liberdade, segurança técnica, científica e ambiental, autonomia, e ser tratado sem discriminação de qualquer natureza, segundo os princípios e pressupostos legais, éticos e dos direitos humanos, com elação aos Direitos.18

            Conforme o arcabouço legal sustentado pelas legislações vigentes em relação ao PTSUS, entende-se que as atribuições do profissional Enfermeiro necessitam ser desempenhadas no âmbito da assistência de enfermagem, quer seja a nível ambulatorial, quer seja no âmbito hospitalar, como previsto na estruturação do PTSUS. Outrossim, deve respeitar as regulamentações do COFEN quanto a força de trabalho, exercício profissional e atuação em áreas de especialidade.

Neste sentido, as ações e intervenções de enfermagem mencionadas na solicitação deste parecer já são da competência profissional do Enfermeiro, considerando as bases éticas e legais da profissão de Enfermagem. Contudo, ressalta-se a necessidade de treinamento dos enfermeiros e demais integrantes da equipe de enfermagem quanto às técnicas cirúrgicas realizadas, as especificidades do preparo operatório das(os) pacientes, das técnicas para a realização dos curativos, como no caso dos tampões para contenção do sangramento pós-operatório, manutenção da firmeza da pele junto a confecção cirúrgica, assim como na realização do cateterismo vesical em órgão transgenitalizado.

Por fim, ressalta-se que o profissional Enfermeiro integra a equipe multiprofissional do PTSUS, desde que haja habilitação por parte do Ministério da Saúde, sendo a organização do processo de trabalho de competência da instituição/estabelecimento habilitado, mediante ao cumprimento ético e legal do exercício da profissão do campo da Enfermagem. Logo, há legalidade no exercício profissional da Enfermagem no Processo Transexualizador.

  • CONCLUSÃO

Com base no exposto acima, conclui-se que:

– O profissional Enfermeiro encontra-se previsto na equipe de atuação profissional em saúde no Processo Transexualizador do SUS brasileiro, como prevê as legislações vigentes no país. Portanto, desde que seja inserido na equipe e respeite os aspectos éticos e legais da profissão da Enfermagem, encontra-se habilitado a atuar neste âmbito, havendo, portanto, legalidade da atuação do profissional Enfermeiro;

– Faz parte do rol de atribuições do profissional Enfermeiro, que encontre-se vinculado ao Processo Transexualizador, direta (equipe mínima do Processo Transsexualizador) ou indiretamente (profissionais que atuam em unidades e serviços que atendem pacientes vinculados ao Processo Transexualizador), prestar assistência de enfermagem no âmbito das cirurgias de redesignação sexual/de gênero e demais demandas e necessidades dos pacientes que realizem esse tipo de intervenção terapêutica, tais como os cuidados de enfermagem dispensados à função geniturinária, por exemplo.

Este é o parecer, salvo melhor juízo.

Atenciosamente,

Câmara Técnica de Enfermagem na Promoção da Equidade em Saúde de Grupos Populacionais em Vulnerabilidade – CTEPESGPV

Anderson Reis de Sousa,Coren-BA nº 345826–ENF

Flávia Karine Leal Lacerda,Coren-BA nº 305865-ENF

Deysianne Gouveia Gomes,Coren-BA nº 507212-ENF

Coordenação da Câmaras Técnicas

Cássia Menaia França Carvalho Pitangueira – Coren-BA nº 390174-ENF

REFERÊNCIAS

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