PARECER COREN – BA N⁰ 010/2016

Assunto: Competência do profissional Enfermeiro para confecção de FAV (Fístula Artério Venosa).

08.09.2016

1. O fato:

 “Profissional questiona sobre a possibilidade de confecção de FAV (fístula arterio venosa) por Enfermeiros”.

2. Fundamentação legal e Análise:

Pacientes com insuficiência renal aguda (IRA) ou insuficiência renal crônica (IRC) podem vir a fazer uso de uma terapia substitutiva dos rins denominada método de depuração extra-renal (hemodiálise e diálise peritoneal). Dependendo da função residual renal do paciente, geralmente se opta por um tratamento conservador. A decisão terapêutica médica pelos procedimentos dialíticos está atrelada a vários fatores clínicos e condições do paciente, tais como disposição e vigor, presença de IRA pré-renal ou renal, níveis de clearance de creatinina, etc. (RIELLA, 2010). No caso específico do procedimento de hemodiálise (HD) trata-se de um procedimento dialítico em que a circulação do paciente é extracorpórea. Segundo Romão Junior e Araujo (1998) a HD é uma terapêutica utilizada para o tratamento, controle e manutenção vital de pacientes portadores de insuficiência renal aguda e crônica.

A hemodiálise remove os solutos urêmicos anormalmente acumulados, o excesso de água e restabelece o equilíbrio eletrolítico e ácido-básico do organismo. Baseia-se na transferência de solutos e líquidos por meio de uma membrana semipermeável que separa os compartimentos sanguíneos e do banho de diálise (dialisato) no dialisador (capilares).

Essa membrana semipermeável permite a passagem de moléculas de pequeno peso molecular (eletrólitos, ureia, creatinina, potássio etc.), mas impede a transferência de moléculas maiores (como proteínas séricas, elementos figurados do sangue e bactérias e vírus). A transferência pode se dar no sentido do sangue para o “banho de diálise” (retirada de toxinas como a ureia, a creatinina, o ácido úrico etc), ou no sentido do dialisato para o sangue (como por exemplo, passagem de cálcio e bicarbonato para o sangue hipocalcêmico e acidáotico, respectivamente) (ROMÃO JUNIOR; ARAÚJO, 1998).

Ainda segundo os mesmo autores, para que a HD tenha sucesso é necessário um bom acesso vascular. O acesso vascular se dá por meio do uso de cateteres, próteses vasculares ou por uma fístula arteriovenosa (FAV) (CAMPOS et al., 2007; PAIVA; LIMA, 2008; ROMÃO JUNIOR; ARAUJO, 1998; SOUSA, 2012). A FAV consiste em uma anastomose subcutânea de uma artéria com uma veia adjacente, cirurgicamente confeccionada, preferencialmente por cirurgião vascular, a interposição subcutânea de um tubo de material sintético de uma extremidade arterial a uma venosa (enxerto artériovenoso) e a colocação de um cateter de duplo lúmen siliconizado com presença de cuff subcutâneo preferencialmente em veia jugular interna. Uma vez que o acesso vascular seja estabelecido, há necessidade de se elaborar um roteiro de acompanhamento procurando falhas no funcionamento e prevenção de complicações a fim de permitir uma diálise adequada, reduzindo a morbidade e objetivando maior tempo de utilização do acesso. Para que isso aconteça há necessidade de uma rotina de acompanhamento do acesso vascular, além de uma integração de toda a equipe médica, de enfermagem e do paciente.

Segundo RIELLA (2010) a FAV é a melhor solução, a médio e longo prazos, como acesso permanente. Não permite, entretanto, uso imediato. São necessários dias a semanas para que se possam puncionar, sem problemas as veias dilatadas. A construção da fístula deve ser o mais distalmente possível, no membro não dominante do paciente. Sempre que os vasos permitam, deve-se realizá-la na “tabaqueira anatômica”, por anastomose término-lateral de veia e artéria. Para reduzir a dor, em pacientes sensíveis, pode-se empregar anestésico local, por injeção subcutânea de pequeno volume, ou aplicar adesivo cutâneo. Segundo o mesmo autor a FAV é passível de algumas complicações, tais como sangramento prolongado após uso de heparina; infecção dos locais de punção, por contaminação da pele ou agulha; formação de pseudo-aneurisma ou ruptura do vaso pode ocorrer por infecção ou fala de cuidado nas punções; isquemia da extremidade, distal à fistula (síndrome do roubo), em indivíduos com circulação periférica comprometida e trombose da fístula por compressão ou redução de fluxo sanguíneo (hipotensão prolongada).

CAMPOS et al. (2007) afirma que a manutenção do acesso vascular para hemodiálise (HD) é um dos maiores desafios no cuidado do paciente com doença renal crônica terminal (DRCT) em diálise. Por isso a atuação do Enfermeiro na avaliação da FAV é destacada por Paiva e Lima (2008): […] Dai a importância dos profissionais de saúde que atuam em sala de hemodiálise, em especial o enfermeiro, visto que eles têm a competência de realizar a primeira punção da FAV após a maturação dela, seguindo as recomendações da literatura que preconiza a primeira punção com um mês.

Considerando a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 154 da Agência Nacional de Vigilância sanitária (ANVISA), de 15 de junho de 2004, que estabelece o Regulamento Técnico para o funcionamento dos Serviços de Diálise, e define sobre a atuação da equipe de Enfermagem em procedimentos dialíticos, especificamente sobre HD:

[…] 6.3. O programa de hemodiálise deve integrar em cada turno, no mínimo, os seguintes profissionais: a) 01 (um) médico nefrologista para cada 35 (trinta e cinco) pacientes; b) 01 (um) enfermeiro para cada 35 (trinta e cinco) pacientes; c) 01 (um) técnico ou auxiliar de enfermagem para cada 04 (quatro) pacientes por turno de Hemodiálise.

[…] 6.9. A Capacitação formal e o credenciamento dos Enfermeiros na especialidade de nefrologia devem ser comprovados por declaração / certificado, respectivamente, reconhecidos pela SOBEN. No caso do título de especialista, poderá ser obtido através de especialização em Nefrologia reconhecida pelo MEC ou pela SOBEN através da prova de título, seguindo as normas do Conselho Federal de Enfermagem.

6.9.1. O enfermeiro que estiver em processo de capacitação deve ser supervisionado por um enfermeiro especialista em nefrologia.

[…] (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2004).

Considerando as propostas para a elaboração de uma regulamentação técnica para os procedimentos dialíticos realizados, fora dos serviços de nefrologia, em pacientes com insuficiência renal aguda ou com insuficiência renal crônica da Sociedade Brasileira em Nefrologia e Associação Brasileira de Enfermagem em Nefrologia:

  1. Recomendações Profissionais (Enfermagem)

8.2 São Competências do Enfermeiro no cuidado ao paciente submetido a métodos dialíticos com circulação extracorpórea:

8.2.1 Planejar, organizar, supervisionar, executar e avaliar todas as atividades de enfermagem, em clientes submetidos ao tratamento dialítico com circulação extracorpórea, categorizando-o como um serviço de alta complexidade.

8.2.2 Ligar e desligar o sistema dialítico na presença e do médico nefrologista responsável pelo paciente.

8.2.3 Preparar e desconectar o sistema dialítico conforme protocolo previamente definido pelos responsáveis técnicos.

8.2.4 Monitorar o procedimento dialítico instalado bem como atender as necessidades clínicas do paciente durante o procedimento de acordo com protocolo terapêutico previamente definido pelos responsáveis técnicos.

8.2.5 Elaborar protocolos terapêuticos de enfermagem para prevenção, tratamento e minimização de ocorrências adversas aos clientes submetidos ao tratamento dialítico com circulação extracorpórea.

8.2.6 Realizar assistência baseada no Processo de Enfermagem direcionado a clientes em tratamento dialítico com circulação extracorpórea.

8.2.7 Assistir de maneira integral aos clientes e suas famílias tendo como base o código de ética dos profissionais e a legislação vigente.

8.2.8 Cumprir e fazer cumprir as normas regulamentares e legislações pertinentes às áreas de atuação.

Considerando a Resolução COFEN nº 311 de 2007 que normatiza o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem:

Art. 12. (Responsabilidades e Deveres) Assegurar à pessoa, família e coletividade assistência de Enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência.

Art. 13. (Responsabilidades e Deveres) Avaliar criteriosamente sua competência técnica, científica, ética e legal e somente aceitar encargos ou atribuições, quando capaz de desempenho seguro para si e para outrem.

Art. 32. (Proibições) Executar prescrições de qualquer natureza, que comprometam a segurança da pessoa.

Art. 33. (Proibições) Prestar serviços que por sua natureza competem a outro profissional, exceto em caso de emergência.

3. Conclusão:

Diante do exposto e da evidência do caráter cirúrgico do procedimento em questão (confecção da FAV – Fístula Arterio Venosa), concluímos que não compete ao profissional Enfermeiro a realização deste procedimento. A equipe de enfermagem é responsável pela manutenção, punção e uso competente do acesso. No caso de primeira punção da FAV caberá exclusivamente ao Enfermeiro sua realização, precedida da devida avaliação da mesma. O Técnico de Enfermagem poderá realizar a punções subsequentes da FAV, desde que devidamente capacitado para tal, e sob a orientação e supervisão do Enfermeiro. Ao Auxiliar de Enfermagem cabe o apoio operacional na vigilância, identificação e comunicação de possíveis complicações do paciente ou do procedimento, também sob a orientação e supervisão do Enfermeiro. Ressaltamos que, além de ter especialização em nefrologia reconhecida pelo MEC (Ministério de Educação e Cultura) ou pela SOBEN (Sociedade Brasileira de Enfermagem em Nefrologia), o Enfermeiro deverá está capacitado tecnicamente para a realização do procedimento a que se refere este parecer, e ainda deverá oferecer uma Assistência de Enfermagem Sistematizada, utilizando o Processo de Enfermagem como instrumento metodológico para sua prática diária, garantindo qualidade assistencial e segurança para os pacientes, além de autonomia e visibilidade profissionais.

Recomendamos a adoção de protocolos assistenciais de boas práticas em nefrologia, considerando a legislação especifica relacionada ao paciente renal crônico, onde constem as atribuições de cada membro da equipe, assim como a descrição passo a passo para a execução e registro dos procedimentos a serem realizados, com posterior validação pelos respectivos responsáveis técnicos e imediata capacitação de todos os envolvidos no processo assistencial. Sugerimos que o Enfermeiro, na condição de líder da equipe, estimule a formação de Grupo de Estudos em Enfermagem em Nefrologia, objetivando a educação permanente e capacitação/atualização contínuas da equipe assistencial.

Por fim, reiteramos a importância de os enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem respaldarem suas ações com base na Lei do Exercício Profissional e nas Resoluções e Decisões do Sistema COFEN / CORENs, que estabelecem princípios para o controle das condutas técnica, ética e legal em Enfermagem.

 

É o nosso parecer.

 

Salvador, 03 de agosto de 2016

Enf.ª Mara Lucia de Paula Souza – COREN-BA61432-ENF

Enf.ª Maria Jacinta Pereira Veloso – COREN-BA 67976-ENF

Enfª Nadja Magali Gonçalves – COREN-BA 70859-ENF

Enf.ª Sirlei Santana de Jesus Brito – COREN-BA 47858-ENF

4.Referências:

a. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da Diretoria Colegiada nº 154, de 15 de junho de 2004. Estabelece o Regulamento Técnico para o funcionamento dos Serviços de Diálise. Brasília: ANVISA, 2004. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 jun. 2004.

b. Lei nº 7.498 de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o Exercício profissional da Enfermagem, e dá outras providências. Disponível em: http://www.portalcofen.gov.br

c. Decreto nº 94.406 de 08 de junho de 1987 que regulamenta a Lei nº 7.498 de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o Exercício profissional da Enfermagem, e dá outras providências. Disponível em: http://www.portalcofen.gov.br

d. Resolução COFEN nº 311 de 2007, que aprova a reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: http://www.portalcofen.gov.br

e. CAMPOS, R. P. et al. O Exame Físico como Método de Detecção de Estenose da Fístula Arteriovenosa. Jornal Brasileiro de Nefrologia, v. 29, n. 2, p. 64-70, 2007. CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução n° 311, de 08 de fevereiro de 2007. Aprova a reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem.

f. CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM SÃO PAULO. Parecer n° 042, de 213, que trata das competências do profissional de enfermagem para punção de fístula arteriovenosa.

g. M. do Nascimento et al. – Avaliação de acesso vascular em hemodiálise. J. Bras. Nefrol. 1999; 21(1): 22-29

h. PAIVA, T. R. S.; LIMA, F. E. T. Manutenção das fístulas arteriovenosas confeccionadas no Centro de Nefrologia de Caucaia-CE. Reme: Revista Mineira de Enfermagem, v. 12, p. 313-320, 2008.

i. RIELLA, M. C. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. 1264.

j. ROMÃO JUNIOR, J. E.; ARAUJO, M. R. T. Hemodiálise. São Paulo: Sarvier, 1998. 510

k. SOUSA, C. N. Cuidar da pessoa com fístula arteriovenosa: modelo para a melhoria contínua. Revista Portuguesa de Saúde Pública, v. 30, 2012

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