PARECER COREN – BA N⁰ 037/2014

Assunto: Utilização de luvas estéreis e de procedimento para realização de curativos.

01.04.2015

Assunto: Utilização de luvas estéreis e de procedimento para realização de curativos.

 

  1. O fato:

“Sou enfermeira e no momento exerço o papel de gerente de uma USF, estou procurando orientação do COREN devido alguns questionamentos levantados em relação ao processo de trabalho na sala de curativos. Passamos por algumas dificuldades no período de reforma da unidade e só agora montamos os Kits de pinças para uso na sala de curativos e alguns técnicos têm questionado a realização de curativos com o uso de luvas. Em nenhum momento a demanda foi suspenso devido à falta de pinças, pois dispomos de estoque de luvas de procedimento comuns e estéreis, para a realização de procedimentos, dessa maneira, a falta de pinças não justificaria a suspensão do serviço. Acontece que alguns técnicos de enfermagem, por conta própria, estavam dispensando os pacientes, sem minha anuência, sob o argumento de que os curativos estavam temporariamente suspensos por falta de pinças (!?). Quando tomei ciência do que estava acontecendo reuni o grupo e orientei a realização de curativos com luvas e desde então vários questionamentos tem surgido. Para mim esta situação é bem inusitada, pois durante toda a minha formação acadêmica eu fui orientada a fazer curativos com pinça e sem pinça, existe alguma orientação nova que eu não tenha conhecimento? Inclusive uma técnica que insiste que as luvas tem microfuros que expõe o profissional ao risco de contaminação (!?), se essa informação for real vamos ter que rever o uso de luvas em vários ambientes, por exemplo nas salas de parto, nos hospitais, etc… Particularmente, eu nunca ouvi dizer que algum profissional de saúde deixou de amparar o bebê no momento do parto devido ao risco de contaminação por microfuros nas luvas; e os cirurgiões, como é que ficam?, o uso de instrumental cirúrgico não exclui as situações que ele entra em contato com fluidos biológicos, e é por isso que eles usam luvas cirúrgicas, não é? E os profissionais que trabalham com infectologia? (…) Gostaria que o COREN se posicionasse em relação a essa situação”.

 

  1. Fundamentação legal e Análise:

As luvas são indicadas como barreira de proteção aos profissionais de saúde, especialmente ao risco biológico. Estas compõem o arsenal dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) cuja finalidade primordial é a proteção dos profissionais à exposição ao sangue ou a outros fluidos corporais como, secreções e excretas, com o objetivo de reduzir o contato direto das mãos do profissional com tecidos do paciente, lesões, membranas mucosas; por exemplo, na realização de procedimentos invasivos (FERREIRA et al, 2009).

As luvas devem ser utilizadas como item de uso único, conforme preconizado pela RDC no 05/2008, e trocadas entre o cuidado de diferentes pacientes e nas diferentes atividades/cuidados no mesmo paciente. Ainda, necessitam ser colocadas imediatamente antes dos procedimentos a serem executadas e descartadas tão logo essas atividades tenham terminado.

Otis e Cottone apud Serratine et al (2007) constataram que o tempo de utilização interfere com a manutenção da integridade das luvas de látex, sendo o número de perfurações significativamente maior após duas horas de uso. Além disso existe variação na qualidade, nas quais algumas luvas apresentam somente depressões enquanto outras não são homogêneas apresentando áreas de fragilidade propícias às perfurações. Desta forma, para que elas exerçam adequadamente suas funções, faz-se necessário que sejam de boa qualidade e não apresentem solução de continuidade que permitam a difusão de patógenos .

A Comissão de Biossegurança em Saú­de/Ministério da Saúde/CBS define os requisitos mínimos necessários ao trabalho seguro com material biológico. Aplicam-se à execução dos procedimentos de segurança em laboratório, na manipulação de materiais biológicos que contenham ou possam conter agentes biológicos com potencial patogênico.

Recomenda-se que antes do uso de luvas, o profissional faça uma avaliação de risco para determinar, primeiramente, se há necessidade de utilizá-las, caso afirmativo, determina-se o tipo de luva mais apropriado para a atividade a ser executada. Essa avaliação deve levar em consideração a natureza da atividade, o tipo da possível contaminação, se o procedimento é estéril ou não e se o paciente ou equipe possuem alergia ao látex (FERREIRA et al, 2009). Nesse contexto, a NR 32 destaca que o uso de luvas não substitui o processo de lavagem das mãos, o que deve ocorrer, no mínimo, antes e após o uso das mesmas.

No que diz respeito à realização de curativos, estes são realizados com a finalidade de proteger a lesão ou ferida contra a ação de agentes externos sejam eles físicos, químicos ou biológicos, além de promover a limpeza, absorção de secreções, imobilizar a região afetada e aliviar a dor (PADULA; FOSSATTI; OLIVEIRA, 2011). Diante disso, observa-se a importância de se aplicar uma técnica correta na realização de curativos, para que sua eficácia, quanto aos fatores citados seja obtida.

Em relação ao cuidado de feridas, há pouco consenso no que concerne ao uso de pinças ou de luvas de procedimentos ou esterilizadas; ao tipo de solução e de cobertura. A escassez de pesquisas que buscam a sustentação científica dessas e outras práticas assistenciais, fortalece a necessidade da implantação de protocolos institucionais que padronizem a técnica de realização de curativos, a fim de garantir a segurança do paciente e dos profissionais de saúde

De acordo com Kock (2004); Du Gas (1998), a técnica de realização do curativo consiste entre outras: (…) calçar as luvas de procedimento para remoção do curativo anterior e, se necessário, umedecê-lo para facilitar sua retirada; é preconizado que se utilize a pinça dente-de-rato para remoção do curativo anterior, em sua ausência, utiliza-se a luva de procedimento; promover a limpeza da ferida sempre do local menos contaminado para o mais contaminado.

Um estudo realizado em cinco agências de saúde na área da Baía de San Francisco – Estados Unidos, sobre a prática de enfermeiro quanto ao uso de luvas na realização de curativos, avaliou 723 profissionais quanto à utilização de luvas estéreis e de procedimento no cuidado de feridas e evidenciaram considerável variabilidade de condutas na prática clínica. As luvas estéreis foram geralmente escolhidas para feridas profundas, com secreção purulenta, tunelizadas e fraturas expostas. Em contraste, luvas de procedimento foram escolhidas para troca de curativo de úlcera por pressão e ferida cirúrgica íntegra. Ainda observou-se que as enfermeiras do cuidado domiciliário escolhem luvas estéreis menos de um terço (33%) do que as enfermeiras de cuidado agudo (WISE et al, 1997).

Mesmo assim, os textos básicos de enfermagem orientam a realização do curativo da área mais limpa para a mais contaminada e, para alcançar esse objetivo, deve-se utilizar pinças esterilizadas que servirão tanto para a remoção do curativo antigo como para a sua realização (FERREIRA; ANDRADE, 2007). Alguns livros-texto de enfermagem são unanimes em descrever a técnica de curativo em passos sequenciais com suas respectivas justificativas, com ênfase no controle de infecção da ferida.

Os curativos podem ser realizados com três diferentes materiais: kit curativo, luva estéril e luva de procedimento. Para isso, o profissional deve atender às técnicas limpa e estéril. Segundo Ferreira e Andrade (2007) a técnica estéril envolve condutas que reduzem ao máximo a carga microbiana por meio da utilização de insumos, objetos livres de microorganismos, a despeito da técnica limpa, na qual recomenda-se o uso de luvas de procedimento e instrumentais estéreis, somados aos princípios de assepsia, o que inclui o ambiente e as mãos.

Deve-se atentar que a técnica de curativos realizada com luvas estéreis deve ser feita de forma a não contaminar o campo em que elas ficam armazenadas e a manipulação do material a ser utilizado deve ser feita somente com a mão não dominante que permanecerá contaminada e a mão dominante “estéril” manipulará o material estéril. Além disso, poderá contar também com a ajuda de outro profissional para auxiliar no procedimento, caso haja disponibilidade.

Considerando a Lei 7498/86, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da profissão e dá outras providências:

Art 11 – O enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe:

I – privativamente:

(…)

  1. c) planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços de assistência de Enfermagem;

(…)

II – como integrante da equipe de saúde:

(…)

  1. b) participação na elaboração, execução e avaliação dos planos assistenciais de saúde;

(…)

  1. f) prevenção e controle sistemático de danos que possam ser causados à clientela durante a assistência de enfermagem

Art. 12 – O técnico de enfermagem exerce atividade de nível médio, envolvendo orientação e acompanhamento do trabalho de enfermagem em grau auxiliar e participação no planejamento da assistência de enfermagem, cabendo-lhe especialmente:

(…)

  1. b) executar ações assistenciais de enfermagem, exceto as privativas do enfermeiro, observando o disposto no Parágrafo único do Art. 11 desta Lei;
  2. c) participar da orientação e supervisão do trabalho de Enfermagem em grau auxiliar.

 

Considerando a Resolução COFEN nº 311 de 2007 que normatiza o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem:

Art. 63 – Desenvolver suas atividades profissionais em condições de trabalho que promovam a própria segurança e a da pessoa, família e coletividade sob seus cuidados, e dispor de material e equipamentos de proteção individual e coletiva, segundo as normas vigentes.

Art. 64 – Recusar-se a desenvolver atividades profissionais na falta de material ou equipamentos de proteção individual e coletiva definidos na legislação específica.

 

  1. Conclusão:

Nesse contexto, o uso de luvas de procedimento e estéril é indicado na realização de curativos. No entanto, faz-se necessária a aplicação da técnica correta na realização de curativos, de acordo com as condições da ferida e do risco de exposição do profissional a contato com sangue, fluidos corpóreos, secreções e excreções. Além disso, faz-se necessário que sejam de boa qualidade e não apresentem solução de continuidade que permitam a difusão de patógenos.

Deve-se atentar que a técnica de curativos realizada com luvas estéreis deve ser feita de forma a não contaminar o campo em que elas ficam armazenadas e a manipulação do material a ser utilizado deve ser feita somente com a mão não dominante que permanecerá contaminada e a mão dominante “estéril” manipulará o material estéril. Além disso, poderá contar também com a ajuda de outro profissional para auxiliar no procedimento, caso haja disponibilidade.

Ressaltamos a importância da elaboração da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), prevista na Resolução COFEN 358/09 e da existência de protocolos institucionais que padronize o processo da técnica de realização de curativos, a fim de garantir assistência de enfermagem segura, sem riscos ou danos ao cliente causados por negligência, imperícia ou imprudência.

 

É o nosso parecer.

Salvador, 16 de setembro de 2014

 

Enf. Maria Jacinta Pereira Veloso – COREN-BA 67976-ENF

Enf. Nadja Magali Gonçalves – COREN-BA 70859-ENF

Enf. Nubia Lino de Oliveira – COREN-BA 120891-ENF

Enf. Sirlei Santana de Jesus Brito – COREN-BA 47858-ENF

 

4. Referências:

 

a. BRASIL. Lei n. 7.498 de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o Exercício profissional da Enfermagem, e dá outras providências. Disponível em: www.portalcofen.gov.br

b. BRASIL. NR 32. Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo, 2009.

c. BRASIL. RDC N° 5 de 15 de Fevereiro de 2008. Disponível em <http://e-legis.anvisa.gov.br/leisref/public/showAct.php?id=23407&word>. Acessado em 18/08/2014.

d. BRASIL. Resolução COFEN 358/2009, de 15 de outubro de 2009. Dispõe sobre a Sistematização da Assistência de Enfermagem e a implementação do Processo de Enfermagem em ambientes, públicos ou privados, em que ocorre o cuidado profissional de enfermagem e dá outras providências.

e. BRASIL. Resolução COFEN nº 311 de 2007, que aprova a reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: http://www.portalcofen.gov.br

f. DU GAS, BW. Enfermagem prática. 4ªed., Rio de Janeiro, Guanabara, 1988.

g. FERREIRA, A. M.; ANDRADE, D. Revisão integrativa da técnica limpa e estéril: consensos e controvérsias na realização de curativos. In: Acta Paul Enferm 2008; 21(1): 117-21.

h. FERREIRA, A.M.; BERTOLO D.; ANDRADE M.R.; ANDRADE D. Conhecimento da equipe de enfermagem acerca do uso de luvas no contexto hospitalar. Ver. Eletr. Enf. [Internet]. 2009; 11(3): 628-34. Disponível em: http://www.fen.ufg/revista/v11/n3/v11n3a21.htm. Acesso em 18/08/2014.

i. KOCK, R.M. et al. Técnicas básicas de enfermagem. 22ª ed., Curitiba, Século XXI, 2004.

j. PADULA, M.; MEDEIROS FOSSATTI, B.H.; ARMANI OLIVEIRA, J. Utilização da técnica estéril na realização de curativos pela equipe de enfermagem. In: Saúde Coletiva, vol. 8, nº 50, 2011, pp. 114-119. Editorial Bolina. São Paulo, Brasil. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84217984004. Acessado em 20/08/2014.

k. SERRATINE A.C.P.; PACHECO E.; MIERO M. Avaliação da integridade de luvas cirúrgicas após a utilização em cirurgias odontológicas. Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 36, nº.1, 2007.

l. WISE L.C.; HOFFMAN J.; GRANT L.; BOSTROM J. Nursing wound care survey sterile and nonsterile glove choice. J. Wound. Ostomy Continence Nurs. 1997; 24(3): 144-50.

 

 

 

 

 

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